ALMA PENADA



ALMA PENADA

 A família tinha mudado recentemente para aquele bairro, só que o que eles não sabiam, era que a nova casa ficava nos fundos de um cemitério.

- O que é que tem ser um cemitério? Dizia Chico Francisco para a família,

- Mas pai, pode aparecer uma alma penada, falou baixinha a filha Francislena.

- Não existe alma penada, minha filha. A pessoa quando morre, morre. Acabou. Terminou. The and. Zé fini.

A mulher de Chico Francisco, dona Madalocilena, não falou nada, pois ela era muito religiosa e não queria saber dessas coisas de alma penada, porém, também temia topar com uma.

Certo dia Pedro cachaça, o pinguço da rua, ia para casa pareando o muro do cemitério, quando começou a passar mal. Começou com vontade de vomitar e logo a seguir veio a vontade de evacuar. Vendo que não dava tempo de chegar em casa, Pedro cachaça resolveu pular o muro do cemitério e fazer ali mesmo o seu descarrego.

Já era noite e Madalochico, o filho mais novo de Chico Francisco, vinha trazendo um saco de pão que sua mãe tinha mandado ele comprar na padaria do seu Inácio. Assim que o menino passou beirando o muro do cemitério, ouviu os gemidos de Pedro cachaça.

- Ai! Ui!

Ele gelou. Parou de andar e as pernas começaram a tremer de medo. Madalochico estava tão apavorado que o saco de pão caiu das suas mãos e ele, num esforço sobrenatural, conseguiu correr. A cada passada que dava, olhava para trás para ver se a alma penada o seguia. Entrou em casa em desabalada carreira e foi repreendido pela mãe que estava na sala vendo a sua novelinha das sete.

- Menino! Já não disse para não entrar em casa correndo? Cadê o pão que eu mandei comprar?

O menino já estava embaixo da cama quando a mãe entrou no quarto atrás dele.

- Cadê o pão? Voltou a perguntar a mulher.

- Alma penada... Eu vi.

- O que você está falando?

- A alma penada, no cemitério. Ela estava sofrendo.

- O que é que você está falando, moleque?

- É verdade, mãe! Tinha uma alma penada no cemitério que estava gemendo, eu vi.

- Com a cara que você está, eu acredito que realmente você tenha visto um fantasma, tá branco que nem cera.

- Acho que ela tá precisando de ajuda, mãe.

- Bom... Quem sabe ela não tá precisando de luz, vou pegar uma vela e acender para ela, só assim ela vai embora.

Mesmo não gostando de almas penadas, a mulher resolver levar uma vela, um terço, uma garrafa de cachaça e um copo de água. Perguntou ao menino onde foi que ela estava e Madalochico indicou o lugar. Com uma renda branca sobre a cabeça, a mulher tomou coragem e foi em busca de ajudar a alma penada. Assim que ela foi chegando no local indicado,  logo viu o saco de pão caído no chão e ouviu os gemidos.

- Ai! Ui! Huuuum!!!

Imediatamente a mulher se benzeu.

- Cruz em credo! Bangalô três vezes! Falou a pobre mulher sem saber o que significava.

- Huuum! Aaaaii!

- Eu estou aqui, posso te ajudar? Perguntou a boa mulher para a alma penada do outro lado do muro.

- Heeeim?

- Você quer que acenda uma vela para iluminar o seu caminho?

- Não!

- Você quer uma oração?

- Naaaão!

- Você quer um copo de água ou uma garrafa de cachaça?

- Até que… Não seria uma má idéééia, mas... Agora naaaão.

- Então, o que você quer?

- Um engóóóóve.

- O que é mesmo que você quer?

- Uuuum engoveee e paaaapel.

- Ainda não entendi.

- Pô! Tu é surda mulher? Um engove e papel higiênico, disse o homem colocando a cabeça sobre o muro.

Aquilo foi demais, a mulher caiu para trás morta de susto.


Francisco de Assis D. Maél
Médico & Escritor

Outras obras do autor:
Compra-se vida – Ficção religiosa
Fragmentos de uma vida – Autobiografia
Áxis a síndrome sagrada – Ficção Científica
Missionários da saúde em ação – Orientação à saúde
MANA-YAM e a árvore de amigos - Infantil
Historinhas que ninguém lê - Contos
O dia da minha morte – Romance
Num piscar de olhos – Romance
Dívidas de gratidão – Romance
Senhor X – Romance

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