JILÓ



JILÓ
 Na década de 1970, em pleno regime militar, o cenário era um quartel do exército na vila militar em Deodoro. Sargento Saraiva era um homem de uns quarenta anos, gordo e com um farto bigode. Ele era responsável por uma tropa de uns cinquenta recrutas que tinham acabado de ingressar no serviço militar obrigatório. Enérgico, tinha um grave defeito, adorava comer... e muito. Contava-se na época que ele ganhava qualquer concurso que se referisse a comer: hambúrguer, cachorro quente, churros, qualquer coisa ele seria sempre o vencedor.
O rancho era o local que Saraiva mais gostava, se não passasse grande parte do tempo nele, seria pensando nele. Os médicos já tinham avisado que era para ele se conter, pois sua saúde poderia desandar com tanta comida.
Não havia nada que o sargento não gostasse, mas ele tinha preferência, por mais que se espante, por legumes. Pepino, batata, tomate, berinjela, cenoura e até o gostinho amargo do jiló. Gostava também o sargento de carne de qualquer espécie.
Barriga, o cozinheiro do quartel sabia das preferências do sargento e sempre que podia, fazia um tipo de comida que mais agradasse o gordo amigo Saraiva.
Numa segunda feira, estava o digníssimo sargento se preparando para mais um dia de labuta quando ouviu dois soldados conversando.
- Cara! Final de semana eu estava de serviço e não deu outra, comi jiló.
- Comeu? E aí, o que você achou?
- Muito bom!
O soldado que falava parecia estar muito contente em ter passado o final de semana no quartel, mas o que o sargento não gostou era de não estar também de serviço naquele final de semana, pois poderia degustar daquela iguaria que ele apreciava tanto.
Já no turno da tarde o gordo militar estava descansando para dar início ao treinamento de ordem unida para os recrutas quando ouviu o cabo Macedo, seu ajudante, dizer para um amigo que estava resolvendo algum problema na sala ao lado.
- Eu fiquei sabendo também, disse o cabo Macedo.
- E o que você fez?
- Eu fui lá também para comer jiló.
A curiosidade tomou conta do sargento, porém ele não quis perguntar ao cabo sobre sua preferência alimentar e foi direto ao rancho para saber quando o Barriga faria novamente o tão falado jiló.
- Taifeiro! Gritou o sargento para um indivíduo com um avental todo sujo, onde está o Barriga?
- Fala meu sargento? O Barriga está de licença, a sogra dele morreu e ele está comemorando, só volta na semana que vem.
- Se deu bem o Barriga, só assim que a sogra lhe deu um bom motivo para ele comemorar, falou o sargento esfregando o bigode.
- Tá precisando de alguma coisa sargento? Ainda não tem nada pronto para o jantar.
- Vocês serviram o que para os recrutas no final de semana?
- Sei não sargento, eu estava de folga, mas hoje vai sair uma galinha atropelada no jantar.
- E no almoço de hoje, o que é que os recrutas comeram?
- Arroz, feijão, batata cozida e boi ralado. Tava muito bom, fui eu que fiz.
- Tudo bem! Agradeceu o sargento insatisfeito com a resposta.
Alguma coisa não estava se encaixando nas informações colhidas, pois ele tinha proibido que se vendesse quentinhas no quartel, porém alguém estava desrespeitando suas ordens.
Por onde que passasse o gordo sargento, ele ouvia a palavra jiló.
- Jiló? Claro que comi.
- Eu comi jiló ontem e acho que vou comer hoje novamente.
Aquilo já estava ficando irritante para o comandante da tropa, no entanto ele resolveu esperar até o dia seguinte, só assim conseguia alguma pista de quem estava arrumando comida fora daquela servida no rancho.
Era manhã do novo dia e os comentários continuavam, até que no início das atividades do dia o sargento resolveu dar fim naquilo tudo, descobriria o responsável por alimentar os recrutas irregularmente. Assim o gordo sargento esfregando seu bigode colocou toda a tropa em forma e iniciou a sua preleção.
- Recrutas, fiquei sabendo que há uma concorrência desleal com o nosso rancho. Alguém está desrespeitando as minhas ordens de não vender comida neste quartel. Sendo assim eu quero que o responsável por isso se apresente agora e será somente repreendido. Se isso não ocorrer, eu descobrirei quem é o responsável e a punição será exemplar, ou seja, dez dias de cadeia. Entendido?
- Entendido! Gritou a tropa em uma só voz.
- Então dê um passo a frente aquele que é o responsável por essa irregularidade.
Houve silêncio total e ninguém se moveu. O sargento já esperava por isso, pois os covardes nunca se apresentam em público. Resolveu o militar mudar de tática.
- Parece que vou ter de descobrir por minha própria conta o salafrário que se instala em nosso contingente.
Não havia um só ruído, todos estavam imóveis.
- Ouvi dizer que serviram jiló no final de semana, o que eu considero, além de ilegal, uma falta de consideração para comigo que adoro este legume. Pois bem, terei de fazer uma sindicância e vamos começar imediatamente. Quero entrevistar a todos que comeram jiló, entenderam?
- Sim senhor! Gritou a tropa.
- Todos que comeram jiló devem sair de forma e ir para o alojamento agora mesmo e aguardar que chamarei um por um para conversar. Aqueles que comeram jiló, fora de forma.
Em pouco segundo o pátio estava vazio, os recrutas foram todos para o alojamento seguindo a ordem do comandante. Sargento Saraiva observou que nem todos tinham ido para o alojamento, um recruta continuou em forma na posição de descansar.
- O que temos aqui? Ironizou o gordo sargento, será que você não gosta de jiló ou ainda não teve tempo de comer?
- Não sargento, eu sou o jiló.


Francisco de Assis D. Maél
Médico & Escritor

Outras obras do autor:
Compra-se vida – Ficção religiosa
Fragmentos de uma vida – Autobiografia
Áxis a síndrome sagrada – Ficção Científica
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