ASSÉDIO SEXUAL



ASSÉDIO SEXUAL
 Dona Jucelia era uma senhora de uns sessenta e cinco anos de idade e a maior parte deles ela viveu tomando conta da vida dos outros. Tinha cabelos grisalhos, óculos na ponta do nariz e sempre carregava consigo várias bolsas ou sacolas. Andava de vagar, não só porque já era idosa, mas também para poder ver tudo que estava acontecendo ao seu redor.
Era cinco horas da tarde quando dona Jucelia fez sinal para o ônibus da linha 426 no bairro do Rio Comprido. O ônibus tinha acabado de sair do ponto e já estava na faixa do meio da pista, aguardando no sinal vermelho.
O motorista fez que não viu, enquanto a velha senhora atravessou lentamente a pista até chegar à porta do veículo. Bateu na porta aguardando que o motorista a abrisse. Como era sua obrigação, o motorista não abriu a porta, até porque ali não era um local apropriado para embarque. A senhora insistiu e o motorista, agora numa sinuca entre o certo e o errado, vendo que o sinal ficaria verde em breve, acabou abrindo a porta para o embarque da idosa.
A cena seria cômica se não fosse trágica, a velha senhora, por mais que se esforçasse, não conseguia subir no primeiro degrau da porta do ônibus. O sinal ficou verde e os carros começaram a passar bem próximo da idosa. O motorista pensou na tragédia que seria se aquela mulher fosse atropelada naquele momento, certamente seria demitido e ainda responderia um processo.
Por mais que se esforçasse, a idosa ficou por eternos segundos tentando embarcar no veículo que se encontrava parado no meio da pista enquanto os outros carros desviavam dele. Um menino de rua, vendo a oportunidade de fazer uma caridade, correu entre os carros e ajudou a velha a entrar no ônibus. O motorista respirou aliviado, a velha não parava de reclamar e o menino de rua saiu sorrindo, como se fosse um herói.
Um rapaz ofereceu o lugar para dona Jucelia e ela resmungou algo, como se fosse obrigação dele fazer o que fez. Todos os lugares do veículo estavam ocupados e várias pessoas estavam viajando de pé. No banco a sua frente, a idosa observou que uma mulher de uns vinte e cinco anos estava sentada no banco do corredor e, de pé próxima a ela, um homem moreno se esfregava em seu ombro com o movimento do veículo. Dona Jucelia achou aquilo um absurdo, um atentado ao pudor, um assédio sexual. Por várias vezes o episódio ocorreu e a velha não se conteve:
- Hei moço, o senhor não tem vergonha na cara não?
O homem fez de conta que não ouviu o comentário.
- Moço é com você que eu estou falando, deixa a moça em paz, vá procurar uma prostituta para satisfazer as suas necessidades.
- O que é que a senhora está falando, falou o rapaz sem entender o que a velha falava.
- Já que ela não toma providência, eu vou chamar a polícia. Motorista, pare o ônibus, gritou a mulher fazendo um escândalo.
Em pouco tempo entrou um PM e levou os três para a delegacia, o rapaz acusado de assédio sexual, a mulher, vítima e a idosa como testemunha.
- O que é que temos aqui? Quis saber o delegado com seu enorme bigode.
- É esse safado, seu delegado. Ele estava no ônibus se esfregando o tempo todo nessa pobre moça. Ela tem vergonha, mas eu vi tudo e estou de prova, esse depravado estava quase chegando ao êxtase se esfregando no ombro dessa pobre moça.
- Bem, se isso for verdade moço, você está bem encrencado.
- Mas claro que é verdade, eu vi tudo. Eu estava no banco de trás e presenciei essa cena de pouca-vergonha.
- Bom, para que se abra um processo, é necessário que a vítima faça a queixa contando o ocorrido e a senhora entra como testemunha. A senhora quer dar queixa pelo assédio sexual desse cavalheiro? Perguntou o senhor delegado se dirigindo à moça.
- Bem seu delegado, meu nome é Eliana, sou advogada e quero dar queixa sim...
- Ótimo! É assim que se faz, comentou sorrindo a velha idosa.
- …Mas a minha queixa é contra esta senhora idosa que me fez ser conduzida até a esta delegacia, perdendo o meu precioso tempo, pois eu estava indo para uma audiência muito importante.
- Espera aí! Gritou a velha, eu estou lhe ajudando contra esse salafrário aí, disse se referindo ao rapaz acusado.
- Só um momento! Exclamou o delegado, quer dizer que a senhora não tem queixa de assédio sexual?
- Não!
- Mas como não, disse a velha, eu presenciei o fato.
- Eu posso saber o motivo de a senhora não se queixar desse crime? Falou o delegado bigodudo.
- Simples, senhor delegado, esse salafrário aqui, como disse esta senhora, é meu marido, ele só estava de pé ao meu lado devido não ter lugar para sentarmos juntos.
- Xiii! Fez a velha idosa, me dei mal.


Francisco de Assis D. Maél
Médico & Escritor

Outras obras do autor:
Compra-se vida – Ficção religiosa
Fragmentos de uma vida – Autobiografia
Áxis a síndrome sagrada – Ficção Científica
Missionários da saúde em ação – Orientação à saúde
MANA-YAM e a árvore de amigos - Infantil
Historinhas que ninguém lê - Contos
O dia da minha morte – Romance
Num piscar de olhos – Romance
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