CUIDA DA SUA VIDA


                                CUIDA DA SUA VIDA

Hospital Universitário Pedro Ernesto. Numa mesa uma senhora gordinha e com óculos na ponta do nariz perguntava e anotava numa ficha as informações passadas pela outra senhora à sua frente. Próximo dali, uma fila gigantesca aguardava sua movimentação.

Eu estava naquela fila há mais de uma hora e tinha o número trinta. A cada cinco minutos chegava mais uma pessoa e crescia lentamente a bendita fila.

Mulher gestante, crianças de colo, idosos, pessoas tossindo, reclamando e tudo que se pode encontrar numa fila de hospital público.

Lá pelas tantas, chega um senhor idoso, bem idoso com uma bengala. Acho que pegou o número quarenta. Esperou um pouco na fila e começou a bisbilhotar. Falava sozinho e se perguntava o porquê daquela fila demorar tanto. Saiu da fila e andou por todos os lugares próximos, até chegar à mesa em que a funcionária pública, de óculos na ponta do nariz, atendia pacientemente.

O velho andava lentamente, tossia com frequência e tremia continuamente a mão que não segurava a bengala.

- A senhora poderia me atender? Interrompeu o velho à funcionária gordinha.

- Vovô, existe uma fila e eu tenho que respeitar a ordem de chegada.

- Mas eu quero a fila de prioridade.

- Aqui não tem prioridade.

- Como não tem prioridade? Eu tenho noventa anos de idade, falou o velhinho entre tosse e tremedeira em uma das mãos.

- Vovô, aquela mulher ali, apontou a senhora de óculos na ponta do nariz, está gestante, aquela outra tem uma criança de colo, aquele ali, está com a perna quebrada, aquele outro lá longe, está com tuberculose, ou seja, todos aqui são prioridade. Então por favor, aguarde a sua vez.

- Mas eu tenho noventa anos, não escuto direito e tenho dores na coluna.

- Bem-vindo ao clube, desdenhou a funcionária.

Um senhor, acompanhado da esposa, não gostou do tratamento que o velho recebia. Levantou-se e foi falar com a atendente.

- Minha senhora, não é justo este senhor ficar aguardando, acho que ninguém vai se opor se ele passar à frente.

- Você acha? Alguém aí se opõe? Gritou a mulher para a plateia que estava na fila.

Foi uma falação geral, todo mundo fez cara feia.

- A única maneira daquele senhor ser atendido antes, é trocando de lugar com outra pessoa mais à frente. É só trocar o número com alguém.

A mulher do senhor, sentada, olhou para ele de cara feia, mas o homem não fez de rogado.

- Então eu troco o meu número com ele. Toma aqui vovô, agora o senhor é o próximo a ser atendido.

- Muito obrigado, meu filho, falou o vovô já com o novo número na mão.

O casal saiu dali e foi para onde deveria estar o senhor de noventa anos, ou seja, no final da fila. O homem com cara de herói e a mulher com a cara amarrada.

O velho foi atendido e já não mais tossia e muito menos tremia a mão que não segurava a bengala.

Até chegar a minha vez, eu vi o vovô de noventa anos passeando sem nenhuma queixa e brincando com vários funcionários do local. Saí do hospital e o velho continuava a passear pelas dependências do hospital. E o casal, que trocou gentilmente o lugar com o velho, Jazia na fila aguardando a vez, que certamente demoraria ainda umas duas horas. O homem de cabeça baixa. A mulher olhava o velho serelepe toda vez que ele passava e falava alguma coisa no ouvido do marido. Certamente ele dormirá, aquela noite, no sofá da sala.

Francisco de Assis D. Maél
Médico & Escritor

Outras obras do autor:
Compra-se vida – Ficção religiosa
Fragmentos de uma vida – Autobiografia
Áxis a síndrome sagrada – Ficção Científica
Missionários da saúde em ação – Orientação à saúde
MANA-YAM e a árvore de amigos - Infantil
Historinhas que ninguém lê - Contos
O dia da minha morte – Romance
Num piscar de olhos – Romance
Dívidas de gratidão – Romance
Senhor X – Romance



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